OE 2021 na fiscalidade imobiliária: IRS, AL e mais-valias
No nosso último artigo, comentamos as alterações introduzidas pelo OE 2021 em sede de IMT na transmissão de sociedades imobiliárias. Hoje vamos falar da reformulação total das regras de IRS aplicáveis às transmissões de imóveis entre a esfera particular e a esfera empresarial das pessoas singulares.
Nesta matéria, o OE21, traz uma versão revista e melhorada do regime de IRS das transferências de imóveis entre o património particular e o empresarial, que era sem dúvida um dos temas quentes em matéria fiscal, desde o boom do Alojamento Local. Com efeito, muitas pessoas alocaram os seus imóveis ao AL sem consciência de que ficariam sujeitos a uma tributação agravada sobre mais-valias não realizadas quando decidissem ‘tirar’ o imóvel do alojamento local. E quando decidiam voltar a usar o imóvel na sua esfera particular, por exemplo, alocando-o a habitação própria, viram-se a braços com uma fatura elevadíssima de IRS, dado que a lei mandava apurar ‘mais-valias’ pelo diferencial do valor do imóvel na data em que se tinha iniciado a atividade de AL e a data em que essa atividade cessava no imóvel. Estas mais-valias eram sujeitas a tributação sobre o valor total num só ano, o que implicava um agravamento da taxa progressiva de IRS, numa altura em que o contribuinte não registava um encaixe financeiro correspondente que lhe permitisse fazer face ao imposto.
Para além dos problemas que este regime já gerava em épocas normais, é fácil antecipar que as regras em causa prometiam colocar um seríssimo entrave ao reajuste urgente do mercado em reação à crise que atravessamos, podendo até ter consequências dramáticas para contribuintes que tenham ficado sem fontes de rendimento.
Saúda-se por isso esta reformulação do regime aplicável às transferências dos imóveis que deixa agora de tratar as meras afetações e desafetações de imóveis entre a esfera particular e empresarial do contribuinte (i.e., sem que exista qualquer alteração do proprietário do imóvel), como transmissões onerosas geradoras de quaisquer mais-valias tributáveis (exceto quando o contribuinte opte por se manter no regime anterior).
Mas há duas outras alterações que devem ser tidas em conta.
Por um lado, os contribuintes sujeitos ao regime de contabilidade organizada ficam obrigados a considerar como rendimento tributável da categoria B o montante correspondente aos gastos relativos a depreciações e imparidades que tiverem sido deduzidos enquanto o imóvel esteve afeto ao AL. Estes valores vão ser considerados rendimento tributável ao longo de 4 anos (ou seja, de forma diluída). Este acréscimo de tributação é ‘neutralizado’ aquando da venda do imóvel a terceiros, na medida em que este valor é adicionado ao valor do imóvel para efeito do apuramento das mais-valias na categoria B aquando de uma futura alienação.
Por outro lado, há que ter em conta que os ganhos resultantes da alienação dos imóveis a terceiros continuam a ser tributadas como rendimento da Categoria B (100% do ganho) - e não da Categoria G (50% do ganho) - durante os 3 anos seguintes à desafetação.
Por essa razão é fundamental planear o futuro a dar ao imóvel: se o objetivo é vendê-lo no curto prazo (i.e. antes de decorridos 3 anos), então possivelmente será mais eficiente não chegar sequer a cessar a atividade e desafetar o imóvel pois, face ao ano que tivemos, é muito possível que existam resultados negativos e prejuízos fiscais que podem ser reportados àquele ganho. Embora, esses prejuízos devessem sempre ser reportados ‘contra’ a possível mais-valia posterior realizada na alienação do imóvel, a verdade é que a lei não é clara, e se o contribuinte tiver cessado a atividade, o mais provável é a AT considerar que o direito ao reporte tais prejuízos se extinguiram
Já os ganhos resultantes da alienação de imóveis 3 ou mais anos após deixarem a afetação empresarial serão tributados em 50% de acordo com as regras da categoria G pela diferença entre o valor de aquisição original e o valor de alienação. Contudo, os encargos com a valorização dos imóveis realizados durante o período em que esteve afeto à atividade empresarial não serão considerados.
Mariana Gouveia de Oliveira
Sócia contratada da Abreu Advogados
*Texto escrito com novo Acordo Ortográfico