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Entrevistas

 

Em Lisboa já se estão a praticar preços de 13 mil euros/m2

16 de janeiro de 2017

A reabilitação é sem dúvida a estrela do mercado imobiliário actual mas a crescente procura por imobiliário de luxo em Portugal vai fazer com que surjam novos projectos de construção nova. Apesar da subida significativa dos preços das casas, Francisco Quintela, Partner e co-fundador da Quintela e Penalva, em entrevista ao Diário Imobiliário assegura que só acontece em certas zonas das cidades de Lisboa e Porto e que não existe o perigo da bolha imobiliária. O principal problema que pode retrair o investimento são as constantes alterações fiscais.

É de opinião que estamos perante o perigo de uma bolha imobiliária?

Houve uma evolução no mercado imobiliário em Portugal que considero muito positiva. Em primeiro lugar, os bancos estão mais cautelosos e as pessoas também. Por outro lado, os novos empreendimentos que têm sido construídos têm mais qualidade e são baseados em estudos de mercado sólidos. O resultado é serem vendidos pouco depois de comercializados.

Houve também menos ímpeto em novas construções, sendo que surgiu um foco na reabilitação urbana. Antes da crise havia preferência pela construção nova, apesar de haver muita “matéria-prima” ao abandono e que dava mau aspeto às cidades, principalmente em Lisboa e no Porto.

Os spreads hoje, apesar de terem baixado, não estão sequer próximos dos valores já vistos antes da crise; chegaram a estar a 0,275%. Os investidores eram na sua grande maior parte investidores nacionais. Os que tinham capital alavancavam a sua capacidade de investimento com o crédito fácil, tendo por isso surgido grandes empreendimentos baseados na especulação, muitos dos quais não foram suportados por estudos de mercado sólidos, construções sólidas. Surgiram muitos empreendimentos construídos “em cima do joelho”, com qualidade de construção duvidosa e sem categorização adequada. Por exemplo, foram construídos empreendimentos, condomínios privados, chamados de “luxo”, junto a linhas de comboio, estradas com elevada circulação automóvel e com vista para passagens de nível. Houve construções que angariavam todas estas qualidades, não apenas uma(s). Algumas destas construções continuam praticamente sem compradores, apesar de estarem em Lisboa e de vivermos um bom período (tão bom que surgem estes avisos do FMI).  

Logo, não considero que haja o perigo de uma bolha imobiliária. Ainda recentemente, Portugal foi considerado pelo segundo ano consecutivo o sétimo melhor destino para investimentos imobiliários na Europa, pelo relatório Emerging Trends in Real Estate Europe, elaborado anualmente pelo Urban Land Institute e a PricewaterhouseCoopers. Estas análises consideram Portugal como um dos destinos mais aliciantes para se realizar investimentos imobiliários, o que por sua vez reflecte que há muita procura e que os preços não são considerados demasiado elevados.    

Como se pode alterar esta situação de desfasamento entre a oferta e a procura e que origina esta subida de preços do mercado?

 Com a procura actual, seguramente haverá uma continuada subida dos preços, mas esta subida será muito centralizada em Lisboa, Porto e Algarve. Eventualmente, outras zonas do país serão “descobertas”, nomeadamente as zonas costeiras. 

Mesmo em Lisboa, esta subida de preços far-se-á sentir no centro histórico e nos bairros tangentes. Lisboa e o Porto vão tornar-se cidades maiores, com novos pólos habitacionais que anteriormente estavam esquecidos. Em Lisboa, algumas zonas que exemplificam isto são, Almirante reis, Intendente, certas zonas da Graça, Campolide, Rego, Xabregas, Braço de Prata, de um lado, ou Cruz de Quebrada, do outro. Este alargamento da cidade irá aproximar subúrbios do centro, pois o centro será alargado. Esta dinâmica ajuda a criar equilíbrios, havendo maior dispersão de preços, o que é normal e desejável com o crescimento das cidades.       

Por outro lado, o estado tem anunciado iniciativas que aliam projectos de reabilitação urbana à introdução de casas para arrendar com preços “bonificados”. Apesar de por princípio não concordar com este género de abordagem, se houver investidores interessados nestes projectos, haverá um ímpeto à redução das rendas. Por outro lado, considero que o Estado devia olhar bem para o património que tem em sua posse para ver como o poderá usar neste sentido. Neste contexto, a Santa Casa da Misericórdia não só tem um enorme património, como apenas recentemente começou a renová-lo com o intuito de o rentabilizar. Fá-lo através de preços de mercado e que, se tivermos em conta as iniciativas que procuram angariar o sector privado para a redução dos preços das rendas, poderá não fazer muito sentido.     

 Por outro lado, uma das grandes injustiças em Portugal é o regime de arrendamento. Em 2012, houve uma tentativa de corrigir este cenário que contribuía para a degradação (o contrário da reabilitação) urbana, resultante de uma distorção do mercado de arrendamento. Esta distorção mantinha os preços artificialmente baixos, levando muitos potenciais senhorios a evitarem o mercado de arrendamento e a manterem as casas vazias, o que por sua vez contribui para uma subida de preços, dada a menor oferta. Outro problema que assusta muitos proprietários em relação ao mercado de arrendamento é a justiça morosa em Portugal. Se um inquilino deixar de pagar a renda, o proprietário sabe que seguramente não irá ser ressarcido e que, para além de correr o risco de sofrer estragos na sua casa, sabe que nunca conseguirá que o inquilino saia em menos de um ano. Isso representa um ano sem renda, com a sua casa a degradar-se.      

Considera que as novas alterações fiscais trazem consequências ao investimento estrangeiro, nomeadamente a retracção?

Até ao momento ainda não considero que sejam suficientes pois continua a haver procura e as alterações foram anunciadas no terceiro trimestre de 2016.

Mas esta questão, a fiscal, remonta para a questão dos preços e o equilibro de mercado. Se por um lado estão a ser criados incentivos como o reabilitar para arrendar, ou o Fundo de Estabilidade Financeira da Segurança Social que vai aplicar 1.400 milhões de euros na recuperação de património, visando estimular o arredamento habitacional a preços acessíveis, por outro lado estão a penalizar investimentos que, na maior parte das vezes, foram realizados para visar o mercado de arrendamento imobiliário. Esta falta de orientação, reforçada por constantes alterações no quadro fiscal, também serve como repelente do investimento.

Coincidência ou não, na semana a seguir ao anúncio do imposto sobre imóveis com valor acima de 500 mil euros, no outono passado, foi divulgado que Portugal desceu oito lugares, de 38º para 46º, no ranking mundial da competitividade do World Economic Forum, relativamente a 2015 e as taxas, “taxinhas” e os impostos são apontados no documento como o factor mais problemático para os negócios. Este é mais um imposto, por sua vez aplicado a um dos sectores mais produtivos do país.

Acima de tudo devemos ter bem presente que estar constantemente a alterar o quadro fiscal, em qualquer sector, por regra, afasta o investimento. As alterações são quase sempre introduzidas no sentido de aumentar as contribuições e um quadro instável, consequentemente, apresenta a possibilidade sempre presente de serem introduzidas condições menos favoráveis das que existiam quando o investimento foi feito.  

Como irá evoluir o imobiliário de luxo e de que forma irá marcar o mercado em 2017?

O mercado de luxo está em pleno desenvolvimento em Portugal e evoluiu muito ao longo dos últimos anos. Hoje, existe uma melhor maneira de se reconstruir, com materiais superiores e um especial cuidado com a arquitectura e redimensionamento das fracções. Não existe o mesmo ímpeto na construção de novos edifícios que houve no passado, sendo que a reabilitação urbana continua em crescendo, o que é preferível devido à quantidade de edifícios que estavam degradados nos centros das nossas principais cidades. Por outro lado, há outras vantagens, dado que o período de obra é reduzido, o licenciamento é muito mais barato e rápido, e a obra demora no máximo entre 6 meses a 1 ano.

No entanto, é natural que, se o turismo continuar a crescer e Portugal continuar a atrair a mesma atenção internacional, o mercado imobiliário manterá o bom desempenho e o segmento de luxo seguirá numa trajectória ascendente. Dado que há cada vez menos focos para reabilitar, é expectável que surjam novos projectos em zonas pouco exploradas e que têm grande potencial. Em Lisboa, por exemplo, embora a cidade comece a estar mais voltada para o rio, há uma grande extensão com pouco desenvolvimento e zonas que não atraiam qualquer atenção apesar do potencial natural do rio e da proximidade do centro de Lisboa. É também expectável que haja um interesse crescente de fundos imobiliários internacionais no nosso país, o que por sua vez ajudará a criar um verdadeiro segmento de luxo, equiparável às principais cidades europeias. Neste contexto, já se está a praticar preços equivalentes a grandes cidades europeias e a produtos de luxo, em zonas muito específicas, pois já se praticam valores de 12 e 13 mil euros por m2.

Por outro lado, existe actualmente alguma instabilidade em países que competem com Portugal na atracção de investimento e de turismo, o que acaba por beneficiar o nosso país. E, desenvolvimentos em países de origem de investimento, como os Estados Unidos e o Reino Unido, que estão a criar um receio de isolamento internacional, poderão também gerar uma dinâmica de maior fluxo de investimento para Portugal. Convinha mantermos estabilidade fiscal para não afugentarmos estes investidores. Penso que, tendo presente as alterações introduzidas pelo actual orçamento de estado, há algum risco de se olhar para o mercado imobiliário como a “galinha dos ovos de ouro” o que, infelizmente, poderá anular esta dinâmica.